quinta-feira, 29 de abril de 2010

Tudo o que é nacional é opaco


Ouvi há dias na SIC o Costa Ribas contar como os funcionários do fisco norte-americano resolveram um problema com um formulário do IRS que os contribuintes tinham preenchido erradamente: preencheram-no eles e depois enviaram uma carta a cada um dos cidadãos a explicar como se fazia. O objectivo ali, entenda-se, era não privar as pessoas do seu retorno do IRS. O Estado ao serviço dos cidadãos, portanto, exactamente como deve ser.
Penso nisto e olho para os papéis que guardo em casa enviados pelas Finanças, o olho de boi do Estado: leio números, datas e siglas que não entendo e umas palavras com que nunca me cruzo e imagino um especialista em codificação de mensagens a fazer horas extraordinárias na Repartição do meu bairro.
Seja o que for que lá está escrito, o que se lê é um "Venha cá imediatamente!", que me deixa tão perturbada quanto a minha professora primária quando entrava na sala de aula com a Mariazinha na mão - uma rectângulo de madeira maciça que concentrava toda a pedagogia que sabia usar. Era um instrumento cuja finalidade primeira era inspirar culpa mesmo em quem não a tinha e medo sobretudo em quem não o sentia.
O mesmo vale para as cartas das Finanças e toda a sua magnífica opacidade. Não servem para explicar, mas para intimidar. Não convidam ao diálogo, forçam à obediência. Não são avisos amáveis, são ameaças veladas.
O Estado português não sabe falar com os cidadãos e isso, no limite, revela que não é composto por pessoas que pensam como cidadãos.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Mensagem à Sonae Turismo



Fui, durante anos, uma assídua frequentadora de Tróia e nem por isso me incomodava aquela atmosfera de vagarosa decadência que a península teve durante décadas, antes de vocês chegarem. Era um diamante velho mas ainda em bruto, uma jóia antiga e fora de moda, mas que se podia usar porque mantinha essa coisa inatingível que alguns lugares nunca perdem que é algo parecido com aquilo que nos humanos se chama personalidade.
Naturalmente, essa coisa indefenida não é fácil de retratar nas brochuras das agências de viagens ou de explicar aos clientes por parte dos operadores turísticos e por isso Tróia sempre esteve disponível para receber o outro lado do turismo de luxo, ou seja, as pessoas para quem o luxo é ter férias. E, de facto, Tróia foi um luxo fácil para muitos como eu.
Estive lá recentemente, já lá não ía há muito tempo. Fui sem ideias pré-concebidas, sempre soube que a poética desalinhada daquele lugar tinha os dias contados para a lógica simétrica e convencional do negócio do turismo. E não fiquei chocada com o que vi, apesar deste meu talento para apreciar o que fica depois (ou antes) das pessoas.
O que me leva a falar com vocês foi o que vi quando passei as fachadas das casas, deixei para trás os jardins e as vedações à volta das piscinas, percorri os estrados de madeira em direcção à areia e olhei à minha volta com os pés enterrados naquela água mansa - estava nas costas do anjo, mas o que vi não foram asas.
Foi lixo.
O que eu vi foi lixo.
Porque razão, pergunto, há espaço, entre tanto luxo, para tanto lixo?